segunda-feira, 18 de julho de 2011

"Taxi" é gibi de qualidade por preço justo

No esquema do "faça você mesmo", quadrinista Gustavo Duarte banca impressão e distribuição de uma das melhores HQs do ano

Por Guss de Lucca, iG São Paulo

Foto: Reprodução
Cenas da HQ "Taxi", de Gustavo Duarte: aventura de jazzista é uma das melhores histórias de 2010
Um dos dilemas comuns do leitor de histórias em quadrinhos é pagar barato - ou nem tão barato - por gibis vendidos em bancas de jornal - em que argumento e arte não costumam sair de sua zona de segurança - ou desembolsar muito dinheiro em HQs comercializadas em livrarias, as ditas graphic novels, que geralmente contam histórias mais instigantes e desafiadoras.
Ao lançar "Taxi", o quadrinista Gustavo Duarte conseguiu unir o bom preço (R$ 10 é o valor de cada revista) a uma história divertida e muito bem ilustrada - veterano nas charges, o desenhista começou sua carreira em 1997, no Diário de Bauru, e hoje é presença diária no jornal Lance!, para quem trabalha há dez anos.
Amante do jazz, Gustavo aproveitou o pedido de um amigo e desenvolveu uma trama em que um músico, momentos antes do show, percebe que esqueceu seu case no bar São Cristóvão, em São Paulo, dando início a uma corrida de taxi frenética para recuperar o instrumento de trabalho.
A opção pela ausência de diálogos, que nos quadrinhos são caracterizados pelos balões, permite que "Taxi" seja compreendida e apreciada por leitores de qualquer lugar do mundo - seu lançamento ocorreu nos Estados Unidos, país em que Gustavo também lançou em 2009 "Có!", sua primeira HQ - e vencedora dos prêmios HQ Mix de publicação independente edição especial e desenhista revelação.
Às vésperas da primeira edição da Rio Comic Con, evento de quadrinhos em que "Taxi" fará seu debut carioca, o desenhista conversou com o iG sobre o processo de criação do gibi, a dificuldade de trabalhar com ilustrações no Brasil e a disposição em bancar do próprio bolso a impressão e distribuição do novo trabalho.
iG: Como surgiu a ideia da "Taxi"?
Gustavo Duarte: Eu estava no bar São Cristovão, em São Paulo, pouco depois de lançar a "Có!", e o Leo, proprietário do local e meu amigo, comentou sobre os dez anos do bar, dizendo que eu tinha a obrigação moral de lançar algo na ocasião. Tenho vontade de fazer uma exposição com caricaturas de jazzistas, e sabendo disso ele sugeriu um livro da exposição - daí surgiu a ideia da HQ, que ganhou forma uns dois dias depois, quando eu estava indo para Bauru [interior de SP].
iG: Quanto tempo você demorou para pensar na história e desenhá-la?
Gustavo Duarte: De produção, foi um mês e meio - entre desenhar a história e a capa. A ideia é do final de 2009, mas não mexi nela por um bom tempo. Fui me programando e como este foi um ano de Copa e de eleição, acabei empurrando o projeto para frente.
iG: O jazz é uma influência clara nesse trabalho. Qual é a sua relação com o estilo musical?
Gustavo Duarte: Escuto desde moleque, mas diferente dos caras que se dizem entendidos de jazz. Não sou um cara que ouve um solo e sabe dizer de quem é. Gosto, tenho discos do Charles Mingus, Dr. Lonnie Smith e Harry Connick Jr, mas não é uma relação de estudioso.
Meu pai escutava big bands do Glenn Miller e Duke Ellington, então é um estilo que me remete à infância, além dos desenhos animados - somos catequizados pelas animações americanas, e tanto o "Tom e Jerry", "Pica-Pau" e os "Looney Tunes" têm referências claras do jazz em sua estética e trilha. Meu gosto vem daí, de uma coisa popular, como os quadrinhos. Às vezes ouço gente tão afetada falando de jazz que até me preocupa.
iG: Você bancou do bolso as primeiras 2.000 impressões de "Taxi". Vendê-las a R$ 10 dá algum lucro?
Gustavo Duarte: Já vendi mais de 1.000 em um mês. É complicado falar em lucro, porque você gasta com viagem, divulgação... É uma HQ de 32 páginas preto-e-branca. Não estou dando, estou cobrando, e R$ 10 não é tão baixo para desvalorizar o produto. Eu ganho algo e mais gente pode comprar o gibi. Me irrita muito ver editoras cobrando muito caro por alguns quadrinhos - talvez o motivo de eu ter feito tudo independente seja esse.
Eu faço quadrinhos porque quero que as pessoas leiam, quero atingir o maior número de leitores - e acho que as editoras têm de pensar assim. Não quero só me pagar, quero lucrar, é a minha profissão, mas tem que ser um preço que atinja todo mundo e seja honesto.

O músico Dr. Lonnie Smith (esquerda) é uma das feras do jazz que ganhou homenagem nas páginas de "Taxi"
iG: Você acha que viver de quadrinhos no Brasil é possível?
Gustavo Duarte: Olha, não sei se dá pra viver de quadrinhos no Brasil. Também não sei se dá pra viver no Brasil (risos). É difícil trabalhar no Brasil. A vida de um professor, de um engenheiro é difícil. Quadrinho nem é considerado profissão. Sou cartunista há 13 anos e vivo de fazer charges, ilustrações e quadrinhos. Não consegui comprar meu iate, mas consigo pagar meu aluguel. Acho que a profissão tem de crescer no Brasil, assim como espero que o país cresça.
iG: Além das compras pelo seu site e nos lançamentos, você conseguiu distribuir a HQ em três comic shops (Comix e HQMix Livraria, em São Paulo, e Itiban Comics Shop, em Curitiba). Foi difícil conseguir esses espaços?
Gustavo Duarte: Esse é o problema do independente: você cuida de tudo. Aos poucos eu vou mandando e-mails, fazendo contatos... Sempre mantenho todo mundo informado. A Comix me procurou na época da "Có!". No início, eles pediram 20 revistas, e um dia depois já ligaram pedindo mais 50, pois tinham vendido todas. A Comix foi a loja que mais vendeu a "Có!" - e com a "Taxi" eles já pediram 300.
Foi uma parceria em que o cara achou o produto legal e quis fazer funcionar. Agradeço a todos que venderam a "Có!" e a "Taxi". Na semana de lançamento da "Taxi", eu não vendi no meu blog, segurei para que apenas eles comercializassem o gibi.
iG: Você já fez lançamentos em Nova York, São Paulo, Bauru e Londrina. Como foram essas experiências? Alguma diferença na reação do público?
Gustavo Duarte: Em Nova York foi em uma convenção, e apesar de não ser o meu país, foi muito legal - além de ter vendido tudo que levei, foi ótimo para fazer contatos. Em Bauru e São Paulo a coisa foi mais afetiva - cresci em Bauru e moro em São Paulo. Foram festas maravilhosas. Em São Paulo eu parei de autografar às 3h30 da madrugada e pude beber com os amigos que aguentaram até 5h30. Em Londrina foi meio estranho, eu já havia feito uma palestra muito legal na cidade, e valeu a experiência de estar com pessoas que gosto.

Capa da HQ "Có!" e dois de seus quadrinhos: aventura rural foi a primeira publicação bancada pelo cartunista
iG: E qual é a expectativa para a Comic Con do Rio?
Gustavo Duarte: Eu tento não ter expectativa pra nada, pra não sofrer depois (risos). Ano passado estive no FIQ, em Belo Horizonte, e foi muito legal. Convenção é peculiar. Em lançamento, você senta e autografa, mas em convenções você tem mais tempo livre para ler coisas novas, conhecer novos trabalhos. O stand em que eu estava no FIQ ficava ao lado do stand da revista "Beléleu", e deu para conhecer os caras e a revista, que é ótima.
iG: Já existe alguma ideia para uma próxima HQ? Você pode adiantar?
Gustavo Duarte: Na hora em que você termina a revista já começa a pensar em 200 coisas novas. Eu já estou quase não aguentando olhar pra "Taxi" porque estou em cima dela o tempo todo. Gostaria de fazer muito mais coisas do que faço, mas fico sem tempo.
Tenho mais duas ideias para revistas do tamanho da "Taxi", e uma maior - não pra uma "Cachalote", mas algo em torno de 50 até 100 páginas. Tive propostas de editoras, mas ainda estou decidindo o que fazer no próximo ano.
Obs: entrevista disponibilizada no Último Segundo em 09.11.2010 (BP)

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