sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A espetacular EC Comics (Parte 1 de 2)

O nascimento e a ascensão da editora que mudou os quadrinhos nos Estados Unidos
Por Alessandro Abrahão - UHQ

EC Comics A EC Comics é, sem dúvida, uma das mais importantes editoras norte-americanas da história dos quadrinhos. Sua influência se estendeu não apenas no próprio campo das HQs, mas também alcançou a televisão e o cinema.

Para entender sua importância, é necessário falar de seu fundador, Maxwell Gaines.

Famous Funnies No ano de 1933, no auge da crise causada pela quebra da bolsa de valores nos Estados Unidos, o pessimismo e a angústia eram os sentimentos predominantes. Com as finanças apertadas, Gaines vivia na casa de sua mãe junto com a mulher Jessie e os filhos Bill e Elaine.

Num daqueles dias difíceis, ele se pegou lendo uma pilha de velhas edições dominicais de um jornal local. Elas traziam tiras cômicas de personagens cartunescos, no estilo Pernalonga e coisas do gênero. Gaines estava rindo. Apesar da situação crítica, estava se divertindo. Então veio-lhe a inspiração: por que não criar uma publicação somente com aquelas engraçadas tiras?

Nessa época, Max trabalhava numa gráfica, a Eastern Color Printing, que fazia o trabalho de impressão colorida para vários periódicos da época. Ele percebeu que se uma folha padrão de jornal fosse dobrada duas vezes, ficaria do tamanho de um livro de oito páginas.

Popular Comics Assim, se usasse duas folhas de jornal, teria 16 páginas. Quatro folhas dariam um ótimo livreto de 32 páginas e assim por diante. O famoso "formato americano" nasceu ali.

Sem pestanejar, Max Gaines convenceu seus superiores a republicarem as tiras que saíam nos jornais de domingo em uma revista de 32 páginas. Também conseguiu que alguns fabricantes da época comprassem antecipadamente as revistas para aumentar as vendas de seus respectivos produtos.

Foi um sucesso imediato. As pessoas começaram a comprar produtos só para ler as revistas.

O próximo passo foi convencer a editora Dell Publishing a financiar 35 mil cópias de uma revista de 64 páginas chamada Famous Funnies, que seria vendia a 10 centavos do dólar. A idéia alcançou êxito novamente. Todas as edições foram vendidas em apenas uma semana.

Popular Comics Mas a Dell não ficou convencida de que o sucesso se repetiria e abandonou a Famous Funnies. Gaines, então, conversou com o pessoal da Eastern, que, mesmo não sendo uma editora, topou imprimir 250 mil cópias da revista.

Cada número vendia mais do que o anterior, até se chegar à tiragem de um milhão de cópias por edição. Aparentemente, a Eastern achou que não precisava mais de Max Gaines e o demitiu.

Incansável, Gaines adquiriu sua própria gráfica e reatou suas relações com a Dell, lançando a Popular Comics. É interessante citar que, nessa época, existia um gênero de muito sucesso, chamado pulp fiction.

Essas revistas traziam aventuras mirabolantes e empolgantes. O nome pulp vinha do papel utilizado nessas publicações, o wood pulp, que era o mais barato da época.

Action Comics Acontece que o gênero estava migrando para as histórias em quadrinhos, com personagens como Dick Tracy, Tarzan ou Buck Rogers. Assim, Max começou a publicar Dick Tracy em sua Popular Comics, o que já garantia seu diferencial.

Gaines, de fato, participou de momentos importantes da história dos quadrinhos, mesmo sem saber. Num esforço para manter sua gráfica funcionando a pleno vapor, ele imprimia também a Detective Comics para um amigo da National Comics (hoje a DC). Hoje, todos sabem que tanto a editora quanto a revista, na qual Batman foi publicado pela primeira vez, tornaram-se referência na história dos quadrinhos.

Ainda perseguido pela História, em 1937, Max foi abordado por dois jovens artistas: Jerry Siegel e Joe Shuster. Havia quatro anos que os dois tentavam uma oportunidade de publicar o personagem que tinham criado, um certo... Superman.

Animal Fables Max não se interessou, mas recomendou os dois para os editores da National. Superman estreou na revista Action Comics # 1, em junho de 1938. O Homem de Aço se tornou sucesso absoluto, logo ganhando versões para o rádio, televisão e cinema. E o resto é história.

Surge a EC Comics

Maxwell Gaines acabou fazendo uma parceria com seu amigo da National. Juntos, eles lançaram a linha All-American Comics, na qual surgiram outros importantes personagens, como Gavião Negro, Flash, Lanterna Verde e Mulher-Maravilha.

A parceria era mesmo um grande sucesso. Tanto que, em 1943, eles estavam publicando 20 títulos, que vendiam cerca de oito milhões de exemplares por mês.

Fat an Slat Mas nem tudo ia bem. A National, de Harry Donenfield e Jack Liebowitz, insistia em aumentar o número de anúncios nas revistas; e Max Gaines não concordava. As reuniões geralmente acabavam em gritaria e a discórdia assumiu um tom pessoal. A situação se tornou insustentável.

Assim, no início de 1945, Max pediu para desfazer a sociedade e cedeu o direito integral dos personagens de mais sucesso para a National, recebendo por isso 500 mil dólares.

Com o dinheiro e títulos menores herdados da National, fundou a Educational Comics, que publicava títulos como Animal Fables, Dandy Comics, Fat and Slat
, dentre outros. Todos no estilo comédia com animais e personagens cartunescos.





Picture Stories from the Bible Também havia as revistas da linha educativa, como Picture Stories from the Bible, Picture Stories from American History ou Picture Stories from Science.

No entanto, o destino tinha outros planos para o empresário e a sua ainda jovem Educational Comics. No dia 20 de agosto de 1947, ele estava com amigos em sua casa de veraneio quando resolveu fazer um passeio de bote num lago próximo. Num trágico acidente, uma lancha atingiu o barco tirando prematuramente a vida de Max Gaines.

Com esse triste acontecimento, a Educational Comics foi parar nas mãos da esposa de Maxwell, Jessie, e de seu filho mais velho, Bill Gaines. Isso deixou a editora em maus lençóis, porque, aparentemente, nenhum dos dois poderia assumir as rédeas do negócio.

Picture Stories from Science É sabido que Bill e Max não se davam bem e talvez por isso o jovem mostrava relutância em assumir a editora. Além disso, os títulos que mais vendiam na época, além do gênero super-heróis, eram os de western, crime e romance, todos muito distantes do que a Educational Comics publicava. Muito provavelmente por isso, quando Max faleceu deixou uma dívida de 100 mil dólares.

Sem muitas opções, Bill Gaines viu-se obrigado a se envolver mais com a editora. Então, começou a ler as revistas que a EC tinha em seu catálogo.

O interessante é que, quanto mais lia os quadrinhos, mais se apaixonava por eles, entendendo que, além de um negócio, também tinha nas mãos algo que realmente gostaria de fazer. Assim que se familiarizou com os negócios, achou que deveria começar a fazer mudanças para melhorar a saúde financeira da Educational Comics. Além disso, levaria as publicações para uma direção que suprisse seus próprios interesses.

Saddle Justice Uma de suas idéias era criar uma nova revista para adolescentes, pois esse também era um gênero de bastante sucesso na época. Bill estava particularmente impressionado com a habilidade em desenhar mulheres de um jovem que lhe fora apresentado: Al Feldstein. Com o tempo, Feldstein se tornaria um dos homens mais importantes na EC Comics, além de amigo pessoal de Bill Gaines.

Mas antes mesmo que o projeto chamado Going Steady with Peggy se transformasse em realidade por meio da habilidosa pena de Al Feldstein, Bill desistiu da idéia. O mercado já estava saturado e o título, provavelmente, fracassaria.

Era hora de uma mudança mais drástica. E com Feldstein ao seu lado, Bill não teve receios.

International Crime Patrol A primeira mudança foi singela, mas significativa. Bill mudou o "E" de EC Comics de Educational para Entertainment. Depois, deu uma olhada nas tendências do mercado e encostou todos os títulos publicados pelo seu pai, criando novas revistas como Saddle Justice, International Crime Patrol e A Moon, A Girl... Romance.

Bill Gaines sabia que agora estava seguindo as tendências, mas também que aquele material não era muito original. O máximo que conseguiria era se manter às margens do sucesso da indústria dos quadrinhos. No entanto, foi da mente visionária de Al Feldstein que partiu a idéia que mudaria tudo.

Todas as noites, o desenhista voltava de carona com Bill. A amizade entre os dois crescera tanto, que conversavam sobre qualquer assunto. Foi durante um desses bate-papos que Al disse a Gaines que eles precisavam fazer algo diferente, e não imitar o que os outros estavam fazendo.

A Moon, A Girl... Romance Nessa conversa, os dois descobriram uma paixão comum pelas velhas novelas de terror que predominavam no rádio quando eram crianças. Eram histórias tão carregadas de horror e suspense, que eles nunca mais haviam se esquecido delas e da sensação que causavam. Não seria uma boa idéia tentar trazer aquilo para as histórias em quadrinhos?

Estava pavimentada a estrada por onde caminharia a espetacular EC Comics.

Arrancando arrepios dos leitores

Idéia lançada, chegara o momento da prática. Al Feldstein sugeriu a Bill o conceito de ter um apresentador que sempre contasse as histórias de horror. Foi assim que nasceu o Crypt Keeper (o Zelador da Cripta, no Brasil), um velho decrépito e sarcástico que apareceria sempre no início e no final, respectivamente introduzindo e explicando a moral de cada HQ.

Tales From The Crypt O personagem era, ao mesmo tempo, arrepiante e engraçado, pois conseguia fazer piadas com o trágico e o caótico. Ter o Crypt Keeper apresentando as horripilantes histórias era o primeiro passo em direção ao famoso "Estilo EC".

Crypt Keeper apareceu pela primeira vez na revista Crime Patrol # 15 e repetiu a dose com outra de suas assustadoras histórias na edição seguinte.

Logo depois, na revista War Against Crime # 10, apareceu outro personagem com a mesma função: Vault Keeper (Guardião da Câmara, no Brasil).

O sucesso foi imediato e as revistas venderam como nunca. Além de comprovar o forte apelo do material junto aos leitores, Bill Gaines também estava visivelmente apaixonado pelo novo estilo.

Crime Patrol O sucesso fez com que as revistas mudassem de nome: Crime Patrol tornou-se The Crypt of Terror e War Against Crime se transformou em The Vault of Horror.

Aliás, vale desfazer aqui uma confusão que alguns leitores encontram quando entram em contato com o material da EC Comics.

A primeira edição de The Crypt of Horror é a # 17. Isso porque a revista anterior (Crime Patrol) parou no # 16. Naquela época, era comum as editoras iniciarem uma nova publicação aproveitando a numeração de outra cancelada.

Isso era feito para não se pagar uma permissão para uma nova publicação, aproveitando, assim, a licença da anterior. Para os órgãos fiscais, era como se a mesma revista continuasse a ser lançada. Era ilegal? Sim, mas funcionava, na maioria das vezes. The Crypt of Terror acabou mudando de nome novamente na edição 20, passando a se chamar Tales From the Crypt.

Crime Suspenstories Um novo personagem surgiu: The Old Witch (A Bruxa Velha, no Brasil), na revista The Haunt of Fear. O propósito era o mesmo dos outros dois personagens decrépitos.

Começava, então, uma interessante e engraçada disputa entre esses personagens, cada um querendo que a sua revista fosse a melhor. Outra grande sacada da EC Comics.

E EC Comics estava apenas começando...

O famoso "Estilo EC"

Cada revista trazia seis histórias seguindo basicamente a mesma estrutura. Em poucas páginas (de seis a oito), a trama ia crescendo e envolvendo o leitor de forma a criar um final completamente inesperado e desafiador. Essa fórmula foi por eles mesmos batizada de "Estilo EC".

Frontline Combat Era tão eficaz, que influenciou toda uma geração de garotos, como pessoas que se tornariam famosos diretores de cinema, como Steven Spielberg ou John Carpenter.

Outro fator que contribuiu bastante para o sucesso do "Estilo EC" foram os desenhos. Os melhores artistas da época trabalhavam na editora e eram tão apaixonados pelo que faziam, que se esforçavam para criar ilustrações cada vez mais expressivas. Nomes como Al Feldstein, Harvey Kurtzman, Frank Frazetta, Bernard Krigstein, Johnny Craig, Reed Crandall, Joe Orlando, John Severin, Jack Davis, Will Elder, George Evans, Al Williamson, Wally Wood e outros.

O próprio Bill Gaines era declaradamente fã de seus funcionários, o que criava o clima perfeito para a concepção daqueles belos desenhos.

Weird Fantasy A EC se aventurava pelos mais variados gêneros, não só o terror, pelo qual era mais conhecida. Bill Gaines sabia selecionar cada desenhista para determinado gênero de história.

É verdade que as revistas de terror vendiam muito mais, mas as dedicadas à ficção científica, histórias policiais e guerra eram igualmente boas. A única diferença é que, nesses títulos, não havia nenhum apresentador para as aventuras. Mas o "Estilo EC" estava lá, intacto.

O "Estilo EC" também influenciou muito a famosa e excelente série televisiva The Twilight Zone (Além da Imaginação, no Brasil), de 1959, na qual há, inclusive, um apresentador fixo para introduzir e finalizar cada episódio.

Mesmo que hoje não seja percebido, as influências daquilo que foi feito primariamente nas revistas da EC ainda está impregnado em quase todas as formas de entretenimento que conhecemos nos dias atuais.

Continua...
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